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terça-feira, 4 de maio de 2010

Déjà vu

Hoje, preparando o jantar (algo que não fazia a muito tempo, infelizmente), tive uma sensação completamente proustiana, um déjà vu, uma memória encarnada. Minha madeleine foi um ovo cozido.
Descascando um ovo, lembrei subitamente de minha tia, irmã da minha mãe, e de como quando eu era criança adorava passar os primeiros dias das férias, junto com o primo Paulo, na casa onde ela morava junto com a minha avó. Esperávamos a avó dormir e passávamos divertidíssimas noites em claro, assistindo filmes de terror e comendo ovos cozidos as três da manhã. Tudo aquilo que era proibido em casa. Tia Terry era uma feiticeira do bem que me ensinou muitas coisas, entre elas que existem mistérios ocultos e como dar os primeiros passos na transgressão...
E comecei a lembrar de minhas outras tias, e de como a minha infância foi povoada de mulheres. Minha mãe tinha quatro irmãs. Ela, assim como duas de minhas tias, tristemente nos deixaram muito cedo. Mas tenho lindas memórias de uma casa repleta de belas mulheres um tanto maluquinhas, inteligentes, interessantes, que, por força da cultura machista e de um pai linha dura, nunca puderam explorar plenamente suas potencialidades. Fico imaginando que hoje, se elas estivessem vivas, eu estaria cercada por velhas perigosas, como definidas por Clarissa Pinkola Estés: sábias, amorosas, acolhedoras, inconformistas, sem medo de manifestar sua força feminina e de ser quem realmente são. Agora, sentada aqui em meu atelier, cercada por uma coleção um tanto idiossicrática de livros, ouvindo músicas que talvez pouquíssimas pessoas ouçam, rodeada pelas minhas pinturas, na companhia da Catarina, nossa negra gata residente, percebo que, de certa forma, realizo em mim as potencialidades adormecidas nessas mulheres que me fizeram quem sou. Felizmente descobri o caminho para me tornar também uma velha perigosa.
A idade trás algumas vantagens com ela. A possibilidade de dizer o que se pensa e de agir como se quer são algumas delas. Porque a idade trás também a sabedoria para saber que palavras são poderosas, e que o exemplo pela ação é o que realmente educa. E é essa sabedoria que também permite que saibamos quais as palavras que podem ser ditas e que pode ser feito.

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